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SE BEBER, NÃO DIRIJA!

Dirigir embriagado ou entregar a direção a quem bebeu pode levar a condenação por homicídio.

Temos observado certa banalização  do  crime  de  homicídio  doloso,  decorrente da sistemática aplicação da teoria da “actio libera in causa”(ação livre na causa) que, em tese, deveria limitar-se  aos  casos  de embriaguez premeditada, como por exemplo no caso de "racha", quando o desejo de quem se embriaga é retirar de si a presença das leis morais, diminuir a angústia, a dor e a culpa em cometer algum delito ou criar coragem para a prática de  crime, quando não há dúvida em caracterizar-se como doloso o homicídio praticado pelo motorista embriagado.


Por outro lado, não se pode considerar que quem comete um crime em estado de embriaguez possua maior culpabilidade do que aquele que possuía dolo da conduta em sobriedade, e o cometeu em seu pleno e saudável estado de consciência. Se quem atua criminosamente sem uso de qualquer substância tem pena definida de acordo com a sua conduta objetiva, não deve o agente embriagado ser culpado antecipadamente por estar sob efeito de substâncias que, inclusive, prejudicam a sua própria ação delinqüente.

É certo que a ingestão de bebidas alcoólicas podem causar falta de coordenação motora, falta de reflexo, descontrole, sono, alucinações, distorção da percepção, idéias delirantes e perturbações de efeitos anormais. Apesar disso, o consumo de bebidas alcoólicas está plenamente integrado ao comportamento social e goza de respaldo da tradição histórica e cultural. Além disso a produção, a venda e o consumo não são penalizados, e as propagandas têm um efeito importante no imaginário de que o álcool não é droga, ou que é uma droga “leve” que, por ser lícita, não prejudica a vida, pelo contrário, traz benefícios!

O fato é que o Artigo 18  do Código Penal prevê que o crime é doloso "quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo". Sendo assim, quem, apesar de não ter a intenção de matar alguém, ao beber e dirigir ou ao entregar a direção de veículo a motorista alcoolizado, poderia prever, e assim assume o risco deste resultado, e responderá pelo crime de homicídio, previsto no Artigo 121, "caput", que determina que seja estabelecida uma pena de 6 a 20 anos de reclusão.

Entretanto, grande discussão ainda existe quanto a forma "dolosa" ou "culposa" do ato, o que pode determinar uma diferença abismal na pena a ser aplicada podendo reduzir-se a detenção de 1 a 3 anos, em especial no que diz respeito a situações em que o agente imprudentemente se embriaga sem prever ou poder prever a ocorrência de um fato delituoso. Neste sentido, Nelson Hungria, trata de distinguir situações em que há dolo eventual, onde "o agente presta  a  anuência  ao  advento  desse  resultado,  preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação" ou culpa consciente, onde "ao  contrário,  o  agente  repele,  embora inconsideradamente,  a  hipótese  de  supereminência  do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá"(Comentários ao Código Penal”, vol. I, Tomo II, Ed.Forense, 4ª edição).

A atual tendência jurisprudencial é de imputar o crime de homicídio a quem dirige sob efeito de álcool ou passa a direção a pessoa embriagada (STJ: HC 196292 - 27/08/2012), pois, mesmo não querendo matar, assume o risco de fazê-lo, configurando-se o dolo eventual. Por outro lado, parece um exagero partir-se do princípio que qualquer acidente de trânsito onde haja presença de ingestão de bebida alcoólica e que resulte em morte, configure-se como homicídio doloso. 

Mas o melhor conselho ainda é: SE BEBER, NÃO DIRIJA!

Fabiana Barcellos Gomes
Advogada

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