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O SUPERENDIVIDAMENTO E A HARMONIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Está em fase final de tramitação na Câmara Federal, em regime de prioridade, um Projeto de Lei do Senado que altera o Código de Defesa do Consumidor, e que tem como propósito principal dispor sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira.

Quando for aprovada, a lei irá oferecer alternativas de prevenção e enfrentamento do problema do superendividamento das famílias brasileiras, além de disciplinar a oferta de crédito.

Inicialmente, o projeto incorpora na legislação um conceito de superendividamento, qual seja, “a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”.

Trata-se de uma questão que vem sendo debatida em vários países do mundo, especialmente na Europa, indicando a necessidade de aperfeiçoamento das legislações que regulam o consumo e o crédito. 

No Brasil, o nosso CDC já estabelece como um de seus princípios fundamentais a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de preservação da ordem econômica. 

Além disso, o Código do Consumidor determina o incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo, além da educação e da informação adequada aos consumidores, quanto aos seus direitos e deveres.

Notadamente, porém, as iniciativas meramente educacionais e de incentivo ao consumo consciente vêm mostrando-se insuficientes para conter os problemas decorrentes da oferta descontrolada e irresponsável de crédito.

Prova disso é que há muito tempo o judiciário vem sendo chamado a intervir a enfrentar este tema, em incontáveis e intermináveis ações revisionais, e recentemente, através projetos que estimulam a conciliação pré-processual e judicial, com louváveis, mas pouco representativos, resultados práticos. De forma esparsa, algumas ações que versam especificamente sobre superendividamento já vem produziram jurisprudências, mas ainda em casos muito específicos, e ainda sem repercussão geral.

O fato é que o endividamento das famílias segue retroalimentando sucessivas crises econômicas, razão pela qual a implantação de uma política pública mais efetiva de prevenção e tratamento adequado ao superendividamento é urgente e necessária. 

Para se ter uma idéia, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo,em dezembro de 2019 o percentual de famílias brasileiras com algum tipo de dívida chegou a 65,6%. Entre as famílias com dívidas em atraso, 31,8% estavam nesta condição há mais de um ano.

Para abordarmos de forma adequada este tema é preciso relembrar a peculiar situação de vulnerabilidade do consumidor, tanto de ordem técnica, jurídica, como informacional. 

Além disso, o superendividamento geralmente ocorre quando o devedor obteve acesso a crédito além de sua capacidade, e sem as devidas cautelas, o que pode nos remeter a uma possível co-responsabilidade objetiva do credor. Em muitos casos o consumidor foi estimulado e incentivado a consumir, e posteriormente, acaba sendo atingido por uma força maior, de natureza macroeconômica, qual seja, uma recessão, ou uma onda de desemprego estrutural crescente, como a que vemos hoje em dia.

Neste contexto, o superendividamento deve ser considerado um fenômeno social, e não apenas pessoal, evidenciando o interesse público que justifica a referida iniciativa legislativa.

Entre os avanços propostos no Projeto que deve ser votado em breve, temos, por exemplo, a proibição, na oferta de crédito, de várias práticas abusivas que visam a captação de clientes. Passará a ser vedado, por exemplo,  atrair o consumidor de forma apelativa com anúncios que utilizam expressões do tipo "juro zero", "taxa zero", "cadastro gratuito", ou ainda que indiquem a concessão de crédito  "sem consulta ao SPC". 

Também será proibido o assédio principalmente a pessoas idosas ou em situação de vulnerabilidade. Também serão consideradas nulas cláusulas que considerem o simples silêncio do consumidor como aceitação de valores cobrados, em especial em contratos bancários e  crédito em geral.

Mas, um dos capítulos mais importantes talvez seja aquele que trata da conciliação em casos de superendividamento, e que cria o processo de repactuação. Assim, nos casos em que não houver acordo entre o consumidor superendividado e os credores, este poderá solicitar ao juiz para instaurar um processo que determinará a revisão e integração dos contratos, e a repactuação das dívidas através de um plano judicial compulsório.

Vemos neste projeto uma oportunidade para que as famílias endividadas, que estão sem opção, correndo o risco de perder seus bens, e vendo ameaçada até mesmo sua subsistência, possam buscar resgatar e manter sua dignidade.

Não por outra razão, o podcast de hoje trata de um tema que foge um pouco da proposta original, de abordar assuntos relacionados com direito penal, direito das famílias ou psicologia forense. 
Mas precisamos lembrar que o superendividamento é também um dos fatores que podem levar a criminalidade e à desagregação familiar, especialmente diante do sentimento de impotência que gera.

Sendo assim, esperamos que sem demora a Câmara Federal aprove o  Projeto de Lei 3.515, que pode vir a beneficiar imediatamente cerca de 30 milhões de superendividados, além ajudar na recuperação sustentável da nossa economia.

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