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A ADVOCACIA ARTESANAL E O ALGORITMO DOS CONFLITOS HUMANOS

Algoritmo é um termo utilizado na ciência da computação para definir um conjunto de regras, operações e procedimentos, definidos, ordenados e usados na solução de um problema, ou de  uma classe de problemas, em um número finito de etapas.

No que tange aos conflitos que surgem do convívio social, as fórmulas manuseadas pelos operadores jurídicos se expressam, em boa medida, nos “códigos” que tratam de direitos materiais e processuais, além dos precedentes jurisprudenciais.

Considerando-se a complexidade da condição humana e as incontáveis circunstâncias na dinâmica dos interesses em disputa na sociedade, mesmo as instituições de direito mostram-se muitas vezes incapazes de antever e resolver satisfatoriamente estes problemas, exigindo daqueles que se aventuram na tentativa de equacionar e pacificar divergências uma boa dose de subjetividade hermenêutica e ponderação sobre valores intrínsecos e extrínsecos.

Por isso mesmo, a crença de que litígios que versam sobre relações humanas possam ser resolvidos por um programa de computador, ou com modelos prontos de petições e de decisões jurisdicionais, revela-se uma completa insensatez, e beira a irresponsabilidade.

Evidentemente que muitos problemas que envolvem, por exemplo, relações contratuais e obrigacionais, até podem ser encarados por “robôs”, de forma fria e objetiva, com significativa vantagem em termos de produtividade e eficiência, se comparados com trabalho humano repetitivo, realizado em processos tradicionais, individuais e manuais.

No entanto, não é razoável pensar que o uso da tecnologia pode afastar absolutamente as hipóteses de erros, pois tanto a programação quanto a operação dos sistemas informatizados são necessariamente humanas, ou seja, suscetíveis de falhas.

Além disso, ainda que não se ignore a existência destas demandas repetitivas, não podemos esquecer a máxima de que, em geral, “cada caso é um caso”, e neste sentido, um olhar autômato sobre conflitos humanos poderá gerar grandes frustrações.

A advocacia e a prestação jurisdicional atualmente têm a sua disposição recursos tecnológicos cada vez mais avançados, que facilitam a vida dos operadores do direito especialmente nas tarefas rotineiras e de pesquisa, além da formatação, sistematização e organização do trabalho.

Mas a despeito dos inequívocos reflexos positivos do uso destas novas ferramentas em termos de produtividade e eficiência, os operadores do direito jamais podem perder de vista a razão fim da sua existência, que são as pessoas, suas relações e suas humanidades...

Por esta razão, o trabalho do advogado, mesmo fazendo uso de tecnologias de informação, não pode ser administrado sob uma ótica com viés industrial, afinal de contas, pessoas não são coisas, não podem ser tratadas como números, seus conflitos não cabem em linhas de produção, e mesmo suas relações problemáticas não podem ser consideradas descartáveis, como se produtos defeituosos fossem.

Diante da necessidade de coexistência de interesses muitas vezes conflitantes, e que, portanto não encontram necessariamente encaixe perfeito, e dos atritos constantes que inevitavelmente ocorrem nas engrenagens da sociedade, são necessários cuidados especiais, diferenciados, personalizados, ou seja, mãos humanas.

Os avanços no desenvolvimento da chamada “inteligência artificial” vem trazendo efetiva contribuição e certamente produzirão novas soluções cada vez mais eficazes, especialmente no que se refere às situações práticas, além de ferramentas capazes de resolver problemas do dia-a-dia das pessoas.

No entanto, na mecânica dos conflitos humanos, a advocacia artesanal ainda é indispensável e imprescindível, caracterizada pela atenção integral e pelo seu foco nos anseios, nas dificuldades, nas angústias do ser humano, considerando a subjetividade e a complexidade das controvérsias.

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