O Art. 227 da Constituição Federal de 1988 declara ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O chamando princípio constitucional da proteção integral da criança e do adolescente assenta-se em alguns pilares fundamentais, quais sejam, de que a criança e o adolescente passam a ser tratados como sujeitos de direito, deixando de serem objetos passivos para se tornarem titulares de direitos e destinatários com absoluta prioridade, respeitada a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.
Quando falamos em proteção integral, e elencamos vários dos seus aspectos, é importante falar que não há uma hierarquia de direitos, de forma que nenhuma negligência pode ser admitida, nem qualquer dos direitos da criança e do adolescente podem ser violados, incluindo os assegurados no ECA, nem mesmo pelos pais ou responsáveis, de forma que lei atribui responsabilidades para toda a sociedade.
Posteriormente, com o intuito de coibir atos atentatórios à perfeita formação e à higidez psicológica e emocional de filhos de pais separados ou divorciados, foi sancionada em 2010 a Lei 12.318/2010 que dispõe sobre a alienação parental. Esta era uma discussão antiga, na qual se destaca a análise feita em 2006 pela então Desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em um artigo intitulado “Síndrome da alienação parental, o que é Isso?”, segundo a qual verifica-se como relativamente comuns as situações de ruptura da vida conjugal que geram sentimentos de abandono, rejeição, traição, surgindo uma tendência vingativa muito grande, em que o filho passa a ser utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao ex-parceiro.
Diz a Autora que: “Neste jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a assertiva de ter sido o filho vítima de abuso sexual. A narrativa de um episódio durante o período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de aproximação incestuosa é o que basta. Extrai-se deste fato, verdadeiro ou não, denúncia de incesto. O filho é convencido da existência de um fato e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente acontecido. Nem sempre a criança consegue discernir que está sendo manipulada e acaba acreditando naquilo que lhes foi dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, falsas memórias.”
Neste cenário a legislação passou a determinar que, flagrada a presença da síndrome da alienação parental, é indispensável a responsabilização do genitor que age desta forma por ser sabedor da dificuldade de aferir a veracidade dos fatos e usa o filho com finalidade vingativa, até mesmo pela perda da guarda, considerado o ato de alienação parental como ofensa ao direito fundamental da criança ao convívio familiar saudável, constituindo-se abuso moral e descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar.
Entre outros, podem ser considerados atos de alienação parental, a campanha de desqualificação da conduta do genitor, dificultar contato da criança e o exercício do direito regulamentado de visitas, mudar de domicilio para locais distantes, omitir informações pessoais relevantes sobre a criança, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço, sem justificativa, visando apenas dificultar a convivência e a preservação dos vínculos afetivos. Além disso, identificado tais atos, entre os quais a apresentação de falsas denúncias contra genitor, a lei determina a utilização de diversos instrumentos processuais para inibir ou atenuar seus efeitos.
Assim, a lei prevê não só a advertência ao alienador, como pode determinar a ampliação da convivência da criança com o alienado, o acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial, a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão, estipular multa e até mesmo declarar a suspensão da autoridade parental, entre outras medidas cabíveis.
É fato que a alienação parental constitui-se num grave abuso contra a criança, mais do que contra a pessoa do alienado, e em especial contra a família e os necessários laços de afetividade. Antes mesmo de pensarmos em coibir e penalizar, devemos deslocar nosso olhar para a prevenção aos seus efeitos nocivos ao desenvolvimento saudável e à estruturação familiar. Para isso, existem testes e indicadores que permitem aos profissionais da área da saúde e aos operadores do direito, atuar de forma objetiva para evitar que este tipo de programação para o ódio produza estragos irreparáveis.