A Lei Maria da Penha define a violência doméstica e familiar contra a mulher de natureza patrimonial como "qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades."
A tipificação deste crime esbarra, no entanto, em dois dispositivos do Código Penal (artigos 181 e 182) que, respectivamente, isentam de pena o cônjuge que comete crimes contra o patrimônio na constância da sociedade conjugal, ou só admite o seu processamento mediante representação da vítima, contrariando assim o que a Lei da Violência Doméstica prescreve.
Seja como for, quando relacionamentos conjugais entram em crise e acabam, é muito comum nos depararmos com ameaças do tipo "vou te deixar sem nada". E, não raro, percebemos, antes mesmo da separação de fato, ou logo a seguir, a busca de alguma forma de "blindagem patrimonial", seja mediante fraudes, furto, estelionato, apropriação indébita ou mesmo extorsão.
Este tipo de crime muitas vezes fica envolto a certa invisibilidade por parte das autoridades, seja por uma visão conservadora do Código Penal, seja pelo fato de que estas questões são relegadas às disputas de partilha de bens nas Varas de Família.
A partir daí, a impunidade é quase certa, e por vezes, a morosidade do judiciário acaba induzindo as vítimas lesadas à aceitarem conciliações que seriam descabidas, por conta de sua vulnerabilidade econômica, ou para pôr fim ao sofrimento dos filhos, que ficam no meio do fogo cruzado.
Em 2019 foram incluídos alguns novos dispositivos na Lei Maria da Penha que representaram um avanço na proteção da mulher vítima de violência, inclusive de natureza patrimonial. Especialmente o artigo 14-A, por exemplo, permite que a mulher agredida possa propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no próprio Juizado de Violência Doméstica e Familiar.
No entanto, o parágrafo primeiro deste mesmo artigo, exclui a competência daquele Juizado para tratar da pretensão relacionada à partilha de bens. Já o parágrafo segundo, diz que, após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver.
Como se vê nossos legisladores acabam por confundir o que já era nebuloso, e em especial a questão da violência patrimonial contra a mulher está longe de uma solução, prevalecendo ainda a capacidade de resistência psicológica e/ou financeira da vítima.
Mas o fato é que a lei impõe ao poder público o dever de resguardar a mulher de toda forma de negligência e exploração no âmbito das relações domésticas e familiares. E assim sendo, não se pode mais admitir que permaneçam impunes violações aos direitos patrimoniais das mulheres, perpetradas através do eventual abuso do maior poder econômico, ou mediante coação e ameaças.
Neste aspecto, temos que o direito a ser tutelado, ainda que verse sobre eventual partilha de bens, deve ser indisponível e irrenunciável, sob pena de fazerem-se vistas grossas a este tipo de violência.
Uma vez mais, destacamos a importância das equipes multidisciplinares que devem oferecer subsídios às decisões judiciais em caso de suspeita de qualquer tipo de violência doméstica, para perceber vulnerabilidades, inclusive de natureza econômica.
Nas comarcas em que não existem varas especializadas, ou seja, quando as varas criminais acumulam as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica, o cuidado precisa ser redobrado, haja vista a precariedade da estrutura de apoio.
Assim sendo, ainda precisamos avançar muito, e fundamentalmente temos que cobrar das instituições do mundo jurídico uma maior vigilância em relação à violência patrimonial a que muitas mulheres ainda são submetidas, quando resolvem por fim a relacionamentos por vezes abusivos.
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