De forma simplista eu poderia responder que se tratam de assuntos que me atraem por ter a ver com as questões que as pessoas mais valorizam: a felicidade, a liberdade e a vida.
Mas é bem mais profundo do que isso, pois também é sobre vulnerabilidade, proteção e sobretudo amor.
Cada um de nós é orientado por valores e princípios que nos apontam o caminho a seguir ou sugerem correções de rumo, enquanto refletem, contrastam ou se chocam com as nossas próprias atitudes e as relações que estabelecemos.
Não é diferente com o organismo vivo de uma sociedade, pois nossas contradições e conflitos internos decorrem justamente da colisão entre as razões fundamentais que traduzem quem queremos ser, e quem conseguimos ser.
O certo é que a nossa natureza é social, e o espaço onde se principia esta condição é justamente a família, de modo que protegê-la é verdadeiramente a mais importante forma de autopreservação.
Da mesma forma, nosso instinto de liberdade é a maior expressão da nossa identidade, pois somente sendo livres é que temos a possibilidade de ser realmente quem queremos ser.
Mas é quando nos completamos a partir das nossas incompletudes, e quando o sentimento de pertencimento não nos aprisiona, mas sim nos liberta, é nesse lugar que moram o amor e a felicidade,
É evidente que a vida nos impõe limites e adversidades, seja como indivíduos, famílias ou sociedade, e por vezes a desigualdade é também uma condição a ser superada.
No entanto, quando isso não se mostra factível, o mínimo que se pode exigir dos coexistentes é tolerância, empatia com os mais vulneráveis, e respeito à dignidade humana.
Tudo isso não se constrói sem atritos e controvérsias, pois a diversidade é também consequência das diferentes condições, percepções e compreensões em relação ao significado e o propósito da nossa existência.
Como exemplo disso, basta observar o que o nosso país viveu em um passado nem tão distante, num período em que a democracia foi sacrificada sob o pretexto de, supostamente, pacificar e proteger a nação.
Na prática, a intolerância de uma pequena parte da sociedade impôs-se pelas armas, e só depois de mais de duas décadas foi possível restabelecer-se um pacto nacional, quando proclamada a Constituição de 1988.
Na Carta Magna os constituintes colocaram um caminho a seguir como povo, com valores, princípios e propósitos bem definidos, e não como retrato de uma realidade, mas como um ideal a ser perseguido.
Vê-se portanto que a verdadeira paz não é algo que se possa construir a qualquer preço, e muito menos à custa da violência ou da eliminação do outro, mas com trabalho duro e paciência.
Na verdade, ela é como um tecido fino que produzimos em um tear muito frágil, e a partir de fibras delicadíssimas, que requerem atenção e cuidado constante.
Nesta trama do tempo, cada indivíduo é como um fio, com suas imperfeições, nós, cores, texturas diferentes, e vulnerabilidades.
Às vezes é preciso encontrar as pontas que ficaram soltas ou os nós que precisam ser desatados, por força de interesses conflitantes ou de erros cometidos.
O desafio de resolver estas questões inerentes à diversidade, de modo a permitir que sigamos em frente, é o que me instiga como profissional.
Em causas de família, invariavelmente tratamos de relações continuadas e vínculos de afetividade, e especialmente quando envolve crianças, a responsabilidade é ainda maior.
Isto porque questões mal resolvidas na infância podem ter consequências e gerar danos irreparáveis, com reflexos não só na vida dos envolvidos, mas também para toda sociedade, como a drogadição e perda de referências e freios morais.
Da mesma forma, a defesa incansável do princípio da presunção da inocência de um indivíduo é, ao mesmo tempo, a defesa de toda sociedade, pois se admitirmos que alguém seja preso e condenado sem o devido processo legal, estaremos colocando todos em risco.
Uma outra razão que traz imensurável satisfação neste trabalho, é a possibilidade de mudar vidas para sempre, oportunizando novos arranjos familiares e a reinserção na vida em sociedade.
Nossas relações, nossa identidade, o direito de ir e vir para construir nossa própria história, e a segurança para coexistir livre de ameaças e opressão, são bens que constituem nosso maior patrimônio, pois seu valor é inestimável.
Por mais diversas que sejam as visões de mundo que mantêm em constante conflito a sociedade, a família ou os indivíduos, a liberdade, a dignidade e a paz, são coisas que certamente todos desejamos proteger.
Pois são as nossas semelhanças, e não nossas diferenças, que nos permitem vislumbrar a harmonia que idealizamos para o nosso sensível tecido social.
Estas são as bases da atuação de quem advoga em causas que envolvem conflitos familiares, quando se luta pelo respeito à presunção da inocência e ao devido processo legal, na defesa da dignidade violada, pois são questões afetas a valores, princípios e propósitos sacramentados na nossa Lei Maior.
E garantir que eles sejam assegurados é minha profissão de fé, minha vocação, e a essência do que me faz querer ser advogada.