O abuso da confiança, quando cometido por um dos cônjuges,
não deixa de ser, portanto, um ato de infidelidade, e como tal, pode levar à
ruptura da relação, quando então as consequências desta traição poderão ser
apuradas.
Assim, a infidelidade financeira é aquela que ocorre por
ações e omissões do cônjuge, que de forma traiçoeira, trazem desequilíbrio ou
prejuízo patrimonial ao outro.
Um dos exemplos clássicos deste tipo de traição ocorre
quando um dos cônjuges passa a se endividar sem o conhecimento do outro, para
ostentar um padrão de vida superior às suas reais condições, comprometendo os
bens do acervo comum.
Outra forma muito corriqueira é quando um dos cônjuges
desvia ou oculta parte dos seus rendimentos, e sem o conhecimento do outro,
acumula patrimônio extraconjugal, em nome de familiares, "laranjas"
ou até mesmo de amantes.
O grande problema é que muitas vezes a pessoa enganada só
percebe este tipo de traição depois de uma separação consensual, onde a
partilha de bens é feita de forma amigável.
Ocorre que a lei estabelece que os bens adquiridos
onerosamente por um ou por ambos os cônjuges, na constância da união estável ou
do casamento com regime de comunhão parcial de bens, são considerados fruto do
trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e
em partes iguais.
Assim, salvo estipulação contrária em contrato escrito, cada
um dos cônjuges só tem plena liberdade para administrar seus bens próprios e
incomunicáveis, e respectivos frutos.
Mas esta regra não se aplica a salários, pró-labores ou
lucros percebidos, cuja destinação deveria ser em proveito do sustento ou
constituição do patrimônio da família.
Vale mencionar ainda que as dívidas contraídas por um dos
cônjuges na administração de seus bens particulares, em regra não obrigaria o
outro, salvo quando evidenciado que houve proveito deste.
Da mesma forma, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do
outro, alienar imóveis, prestar fiança ou aval, ou fazer doação de bens comuns
ou que possam integrar futura meação.
Seja do jeito que for, geralmente a infidelidade financeira
só é descoberta quando o relacionamento entra em crise ou termina, sendo por
vezes uma das principais razões do desgaste.
Ainda que seja possível anular, por exemplo, a doação feita
para amante ou mesmo a troca de valores desiguais entre o cônjuge infiel e
algum filho, é sempre um desafio identificar este tipo de traição, quando não
há transparência financeira.
O fato é que uma relação conjugal, seja ela formalizada ou
não, equivale a uma sociedade, baseada no afeto e também na confiança mútua.
A quebra desta confiança representa o descumprimento de uma
obrigação conjugal, que pode ensejar na dissolução culposa da sociedade, o que
pode gerar responsabilidade civil, tornando exigível uma reparação dos
prejuízos, sejam de ordem material ou moral.
Isso se aplica porque, ao agir com má-fé e causar danos, o
cônjuge financeiramente infiel inequivocamente comete um ato ilícito.
Em geral estas situações são bastante complexas, pois além
da dificuldade de se identificar e provar a infidelidade financeira, há outros
aspectos que desafiam o trato dos conflitos advindos de relações conjugais.
Se por um lado há pessoas que apenas queiram virar a página,
por outro, pode haver componentes emocionais mal resolvidos, seja por parte de
quem não aceita a separação, por pensar em vingança, ou por não considerar
justas as regras da partilha dos bens.
O mais importante é saber separar as coisas e a forma de
administrá-las, no que se refere a relação afetiva e a sociedade conjugal
propriamente dita.
Há ainda questões que são de trato contínuo, especialmente
quando há filhos, por exemplo, ou mesmo outros vínculos de parentalidade,
amizades, questões profissionais e negócios, a serem preservados.
E há outras que simplesmente precisam de um ponto final, o
qual pode, na verdade, representar um recomeço para ambos, de preferência sem
guardar rancores ou dívidas de qualquer natureza.
Mas, para superar uma infidelidade financeira, tal qual uma
traição como outra qualquer, é preciso, antes de tudo, encarar a verdade e
acertar as contas. E depois, seguir em frente.