Segundo dados disponíveis antes da chegada da pandemia de COVID-19 no Brasil, a cada hora, pelo menos quatro crianças ou adolescentes são vítimas de violência sexual, num cenário em que somente 1 em cada 10 casos chega a ser reportado.
Não se sabe ao certo, porém, o quanto a adoção das medidas de distanciamento social vem afetando esta revoltante realidade.
O fato é que já se percebe o aumento das tensões na vida doméstica, onde a restrição da movimentação, a suspensão das aulas e o isolamento, representam um inequívoco risco de aumento da subnotificação de casos de violência e exploração sexual de crianças e adolescentes dentro de casa.
Trata-se de um reflexo da interrupção na vida cotidiana que fez com que crianças e adolescentes perdessem o contato com adultos protetores, pois a suposta segurança do lar nem sempre é garantia de proteção.
De acordo com o Ministério da Saúde, um em cada quatro casos de abuso sexual atendidos pelas unidades de saúde no Brasil é cometido por parentes das vítimas ou pessoas de confiança da família, sendo que 23% foram pais e padrastos.
Além disso, o aumento do tempo de acesso à internet também podem deixar crianças e adolescentes mais expostos a aliciamento, pornografia, cyberbullying, entre outras violações.
Ainda que estejamos vivenciando tempos de angústia, seja pela questão sanitária, seja pelos reflexos econômicos da crise causada pela pandemia, pode ser também uma oportunidade para identificar problemas que estariam invisíveis antes.
Para isso, é preciso estar atento para as alterações e distúrbios no apetite, no sono, no comportamento e no aprendizado, que podem ser indícios de abuso, além do pedido de ajuda em linguagem não verbal por parte da criança ou adolescente.
A atenção à higiene, tão necessária nos dias atuais, deve estar, portanto, acompanhada de outros cuidados.
Olhar os sinais, ter diálogos abertos, sem julgamentos, mas alertando as crianças para os diferentes perigos do mundo, que não existem só fora, mas também podem estar dentro de casa, são atitudes que fazem a diferença.
Todos nós temos responsabilidade com as crianças e os adolescentes, e qualquer sinal de violação de seus direitos deve ser sempre denunciada, investigada e coibida.
Em 18 de maio de 1973 foi assassinada em Vitória, no Espírito Santo, aos 8 anos de idade, Araceli Cabrera Sánchez Crespo.
Seu corpo foi encontrado somente 6 dias depois, desfigurado por ácido e com marcas de violência e abuso sexual.
Os principais suspeitos eram de famílias influentes, e conhecidos como usuários de drogas que violentavam garotas menores de idade.
Também foi apontada como suspeita a própria mãe de Araceli, Lola Sánchez, que teria usado a própria filha como "mula" para entregar drogas.
O caso produziu ainda 14 mortes, desde possíveis testemunhas, até pessoas interessadas em desvendar o crime, sendo os réus absolvidos em 1991.
Em 2000, o Congresso Nacional instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes na data da morte de Araceli.
Esta, portanto, é certamente uma data que precisa ser lembrada, muito embora nossa atitude de vigilância em relação a proteção à crianças e adolescentes vítimas de violência sexual deva ser permanente.
Por tratar-se de grave violação de direitos humanos, o Disque 100, criado em 2003, é hoje o principal canal de denúncia deste tipo de crime.
Para conseguirmos evitar que fatos como o que aconteceu com Araceli há décadas, e que ainda hoje ocorrem em número assustador em nosso país, precisamos ter consciência para identificar e alertar as autoridades já nos primeiros sinais de abuso.
Fabiana Barcellos Gomes
(Advogada com Formação em Psicologia Forense, especialista em Direito Penal, Direito das Famílias e Direito do Trabalho).
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