A nossa Constituição estabelece como um dos objetivos fundamentais a promoção do bem de todos e, por extensão, tornou ilícitas quaisquer formas de discriminação.
Além de assegurar direitos e liberdades fundamentais, nossa Carta Magna de 1988 determinou expressamente que fossem editadas leis para punir qualquer discriminação atentatória às garantias nela consagradas.
Ainda que ela reafirme a liberdade de consciência e de crença, a inviolabilidade das convicções de cada um não é salvo-conduto para atos e condutas discriminatórias, que são vedadas, e nossa Lei Maior determina que devem ser punidas.
Passaram-se mais de três décadas, e somente em 13/06/2019, coube ao STF finalmente criminalizar as condutas homofóbicas e transfóbicas.
O julgamento conjunto da AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO nº 26, e do MANDADO DE INJUNÇÃO nº 4733, ainda que cercado de certa polêmica, nada mais fez do que suprir uma lacuna na legislação ordinária.
A partir desta decisão, com repercussão geral, os atos ilícitos e discriminatórios motivados pela aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém devem ser enquadradas na Lei do Racismo.
Entre outras condutas, foi criminalizado o discurso de ódio e a incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência contra pessoas LGBT, além de ser configurada a qualificadora de “motivo torpe” nas hipóteses de homicídios dolosos.
A decisão passou a valer até que sobrevenha uma lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar a criminalização de condutas homofóbicas e transfóbicas, em atenção ao comando previsto no inciso XLI (41) do artigo 5º da Constituição.
A definição do STF pela aplicação da Lei nº 7.716, originalmente editada para combater a discriminação racial, é mais uma ampliação do escopo da referida Lei.
É que, desde 1997, a Lei do Racismo já teve estendida sua aplicação, para punir também os crimes resultantes de discriminação ou preconceito em face da etnia, da religião ou da procedência nacional.
A homofobia e a transfobia, conforme consta na decisão da Suprema Corte, devem assim ser compreendidas em sua dimensão social, e de forma análoga ao racismo e as outras formas de preconceito e discriminação.
A LGBTfobia foi igualmente compreendida como fruto de uma construção de índole histórico-cultural, de negação da alteridade, da dignidade, e da humanidade daqueles que são considerados por muitos como estranhos e diferentes.
Entenderam os Ministros que a ausência de previsão legal que puna a odiosa inferiorização, a perversa estigmatização, e a injusta e lesiva situação de exclusão de pessoas em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero, revela-se como flagrante omissão legislativa.
Diante disso, a decisão foi no sentido de estender a tipificação prevista na referida legislação para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.
Apesar do inequívoco avanço que representou este julgamento, raras foram as boas notícias depois disso, eis que, passados dois anos do julgamento, ainda não foi editada a lei.
Aliás, apesar dos inúmeros crimes bárbaros cometidos contra a comunidade LGBT, amplamente noticiados, e dos protestos e mobilizações sociais, o debate sobre este tema avança timidamente no congresso.
Como consequência disso, em muitos locais, o que se verifica na prática é uma certa negligência ou desinformação quanto aos crimes resultantes de LGBTfobia, o que contribui para a perpetuação da impunidade.
Isto se dá na medida em que algumas autoridades policiais ainda deixam de tipificar tais condutas com base na Lei do Racismo nos respectivos registros de ocorrências.
O fato é que, desde 2019, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito contra pessoas LGBT, por exemplo, é crime punido com reclusão de um a três anos e multa.
Se o crime for cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena é ainda maior: de dois a cinco anos.
Portanto, além de pressionar nossos parlamentares para que cumpram com seu dever de elaborar leis que assegurem os direitos fundamentais de todos, precisamos estar conscientes e informados para cobrar as autoridades, e fazer valer o que já foi conquistado.