Pular para o conteúdo principal

A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

Recentemente o noticiário deu destaque à prisão em São Paulo de uma mulher, mãe de 5 filhos, que furtou de um minimercado 2 refrigerantes, 1 refresco em pó, 2 pacotes de macarrão instantâneo, e uma lata de leite condensado.

Em primeira instância foi determinada a conversão do flagrante em prisão preventiva, sendo negada a possibilidade de prisão domiciliar, sendo que seus filhos de 2, 3, 6, 8 e 16 anos de idade, estariam sob a guarda e cuidados da avó materna.

O Tribunal de Justiça de São Paulo ainda negou dois pedidos de liberdade feitos pela Defensoria Pública, pois segundo consta, a mulher já estava cumprindo pena em regime aberto e ainda responde a outros dois processos por furto.

O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça onde foi reconhecida a atipicidade material da conduta por incidência do princípio da insignificância, sendo determinado o trancamento do inquérito policial e expedição de alvará de soltura.

O fato traz à tona novamente o debate na sociedade sobre o papel do direito penal, e a excepcionalidade da privação da liberdade.

Neste sentido, a aplicação do princípio da insignificância se justificaria quando presentes, cumulativamente, algumas condições objetivas, quais sejam, a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Para verificar a aplicabilidade deste princípio faz-se necessária uma criteriosa análise de cada caso, eis que a sua adoção indiscriminada constituiria verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais.

Uma questão que por vezes surge nestes casos é quanto ao agir em estado de necessidade, como na notícia em questão, segundo a qual a mulher afirmava estar passando fome e é dependente química.

O fato é que o princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que o direito penal seja utilizado para sancionar desvios de condutas ínfimos e isolados

Isto porque o papel do direito penal é subsidiário na pacificação social, existindo outros meios, inclusive jurídicos, muito mais eficazes para casos como o presente, além de socialmente mais recomendáveis.

Por outro lado, comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a chamada característica de “bagatela”, na medida em que aquele que é reincidente e possui maus antecedentes não faz jus a benesses jurídicas.

De todo modo, embora o furto seja uma conduta reprovável, quando a lesão que causa, de tão insignificante, torna-se imperceptível, beira a atipicidade material, porquanto o comportamento iníquo revela-se incapaz de ofender com significativa lesividade o bem jurídico tutelado.

Não se trata de aplicação indiscriminada, pois isto certamente aumentaria o risco de multiplicação de pequenos crimes, que se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal.

Entretanto, o princípio da insignificância permite ao operador do direito otimizar a aplicação da lei penal, tornando-a efetivamente útil ao fins sociais a que ela se propõe, sem desvirtuar o objetivo do legislador quando da formulação da tipificação legal.

É que a relevantíssima circunstância da privação da liberdade do indivíduo somente se justifica quando estritamente necessária à própria proteção das pessoas e da sociedade.

De todo modo, a temática do princípio da insignificância ainda é matéria bastante controvertida na jurisprudência e na doutrina, havendo entendimentos no sentido de que ‘insignificância’ deve ser avaliada em momento anterior à elaboração da lei penal, e não na sua aplicação.

Inegavelmente, porém, temos que o Direito Penal deve guiar-se pela interferência mínima e de forma apenas subsidiária, respeitando sempre a proporcionalidade, e objetivando a pacificação, a harmonização e a estabilidade no convívio social.

Postagens mais visitadas deste blog

A INFIDELIDADE FINANCEIRA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A convivência conjugal duradoura, pública e contínua, estabelecida com objetivo de constituição de família, pressupõe respeito e consideração mútuas, ou seja, lealdade em todos os sentidos. O abuso da confiança, quando cometido por um dos cônjuges, não deixa de ser, portanto, um ato de infidelidade, e como tal, pode levar à ruptura da relação, quando então as consequências desta traição poderão ser apuradas. Assim, a infidelidade financeira é aquela que ocorre por ações e omissões do cônjuge, que de forma traiçoeira, trazem desequilíbrio ou prejuízo patrimonial ao outro. Um dos exemplos clássicos deste tipo de traição ocorre quando um dos cônjuges passa a se endividar sem o conhecimento do outro, para ostentar um padrão de vida superior às suas reais condições, comprometendo os bens do acervo comum. Outra forma muito corriqueira é quando um dos cônjuges desvia ou oculta parte dos seus rendimentos, e sem o conhecimento do outro, acumula patrimônio extraconjugal, em nome de familiares, ...

DIA INTERNACIONAL CONTRA A HOMOFOBIA, TRANSFOBIA E BIFOBIA

O Dia Internacional Contra Homofobia, Transfobia e Bifobia foi criado em 2004 para chamar a atenção para a violência e discriminação sofridas por lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, pessoas intersexuais e todas as outras pessoas com orientações sexuais, identidades ou expressões de gênero e sexo diversos. A data de 17 de maio foi escolhida especificamente para comemorar a decisão da Organização Mundial da Saúde em 1990 de desclassificar a homossexualidade como um distúrbio mental. Conforme consta na justificação ao projeto de lei que criminaliza a homofobia, em tramitação no Senado Federal: “Um dos princípios mais básicos de qualquer sociedade que se diz democrática é o respeito ao ser humano, é o apreço por sua significância, por seu valor intrínseco, por sua dignidade independentemente de gênero, religião, posição política ou orientação sexual.” Existem comportamentos que merecem ser interrompidos com vigor e antecipadamente, sob pena de se transformarem em atos muito mais grav...

A VISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA VERSUS A PROTEÇÃO DO DIREITO À IMAGEM E À HONRA

Recentemente o noticiário vem destacando o caso de violência contra a mulher praticada por Iverson de Souza Araújo, conhecido como DJ Ivis, com imagens divulgadas em redes sociais mostrando puxões de cabelo, chutes e socos, na frente da filha de nove meses do ex-casal. A violência ocorreu no dia 1º de julho e o registro de boletim de ocorrência no dia 3, ao que a Justiça determinou a concessão de medidas protetivas em favor de Pamella Holanda no dia seguinte, e a abertura do inquérito por lesão corporal no âmbito da violência doméstica. Depois disso, em 11 de julho, imagens captadas pelas câmeras de circuito interno de segurança da residência foram publicadas pela própria vítima, que é digital influencer, em suas redes sociais. Além dos vídeos, ela também postou fotos de como o seu rosto teria ficado após as agressões, afirmando que havia se calado por muito tempo, que não tinha apoio, e que havia conivência de pessoas próximas ao DJ que presenciavam as agressões. Segundo ela, havia in...