A controvérsia enfrentada no referido julgado tratou como juridicamente possível a reparação de danos pleiteada por um filho tendo como fundamento o abandono afetivo, o que determinou a condenação de um pai ao pagamento de R$ 30,000,00 ao filho por danos morais.
Apesar de não existir no ordenamento pátrio o dever de amar, o art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais".
Uma interpretação sistemática do conjunto de regras que tratam da matéria responsabilidade civil de forma ampla e irrestrita, com destaque para os artigos 186 e 927, do Código Civil de 2002, não exclui sua aplicabilidade no âmbito das relações familiares, desde que demonstrada a existência dos respectivos pressupostos.
A possibilidade de os pais serem condenados a reparar os danos morais causados pelo abandono afetivo do filho, ainda que em caráter excepcional, decorre do fato de que essa espécie de condenação tem causa específica, autônoma, e fundamento jurídico próprio, que é o descumprimento, pelos pais, do dever jurídico de exercer a parentalidade de maneira responsável.
É que tal dever compreende também a obrigação de conferir aos filhos uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade, para efetivamente concretizar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana.
Este destaque é importante, para desvincular a questão da obrigação de natureza alimentícia, relativa ao dever de assistência material dos pais, nem se resolve pela perda do poder familiar visando a proteção da integridade da criança, de modo a lhe ofertar, por outros meios, a criação e educação eventualmente negada pelos pais, mas que não serve para compensar o efetivo prejuízo psicológico causado ao filho.
Assim, se a parentalidade for exercida de maneira irresponsável, desidiosa, negligente e/ou nociva aos interesses da prole, configura-se ato ilícito, especialmente se destas ações ou omissões decorrerem traumas, lesões ou prejuízos perceptíveis a partir de qualquer prova em direito admitida, sobretudo a prova técnica.
No caso julgado, o fato danoso e o nexo de causalidade foram corroborados por provas produzidas no processo, inclusive laudos periciais atestando sofrimento de índole psíquica e até mesmo de sequelas físicas e sintomas somáticos, com repercussões na personalidade e, por consequência, na própria história de vida do filho afetivamente abandonado pelo pai.
A decisão do STJ destacou a doutrina relacionada a temas do Direito das Famílias, como por exemplo a lição do jurista Rolf Madaleno, a nos indicar que:
“embora possa ser dito que não há como o Judiciário obrigar a amar, também deve ser considerado que o Judiciário não pode se omitir de tentar, buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da impunidade que grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em que as visitas configuravam um direito do adulto e não como um evidente e incontestável dever que têm os pais de assegurar aos filhos a convivência familiar”.
Ainda, destacou a reflexão do professor Conrado Paulino da Rosa, segundo o qual:
“Amor e afeto são direitos natos dos filhos, que não podem ser punidos pelas desinteligências e ressentimentos dos seus pais, porquanto a falta desse contato influencia negativamente na formação e no desenvolvimento do infante, permitindo este vazio a criação de carências incuráveis e de resultados devastadores na autoestima da descendência, que cresceu acreditando-se rejeitada e desamada.
As marcas existem e são mais profundas do que se pode mensurar: o beijo de boa noite negligenciado, a falta de vigília em uma madrugada febril, o cafuné não realizado, o esforço para decorar a música de homenagem de dia dos pais ou das mães que foi em vão.”
Como se vê, a recente decisão consolida importante entendimento jurisprudencial, especialmente na preservação e na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, na medida em que, como bem destacado no Acórdão do referido julgado: “amar é faculdade, mas cuidar é dever”.