Pular para o conteúdo principal

DANOS MORAIS POR ABANDONO AFETIVO

No último 21/09/2021 no julgamento de um RECURSO ESPECIAL pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da MINISTRA NANCY ANDRIGHI, um relevante precedente jurisprudencial reforçou importante definição acerca da admissibilidade da condenação ao pagamento de indenização por abandono afetivo.

A controvérsia enfrentada no referido julgado tratou como juridicamente possível a reparação de danos pleiteada por um filho tendo como fundamento o abandono afetivo, o que determinou a condenação de um pai ao pagamento de R$ 30,000,00 ao filho por danos morais.

Apesar de não existir no ordenamento pátrio o dever de amar, o art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais".

Uma interpretação sistemática do conjunto de regras que tratam da matéria responsabilidade civil de forma ampla e irrestrita, com destaque para os artigos 186 e 927, do Código Civil de 2002, não exclui sua aplicabilidade no âmbito das relações familiares, desde que demonstrada a existência dos respectivos pressupostos.

A possibilidade de os pais serem condenados a reparar os danos morais causados pelo abandono afetivo do filho, ainda que em caráter excepcional, decorre do fato de que essa espécie de condenação tem causa específica, autônoma, e fundamento jurídico próprio, que é o descumprimento, pelos pais, do dever jurídico de exercer a parentalidade de maneira responsável.

É que tal dever compreende também a obrigação de conferir aos filhos uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade, para efetivamente concretizar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana.

Este destaque é importante, para desvincular a questão da obrigação de natureza alimentícia, relativa ao dever de assistência material dos pais, nem se resolve pela perda do poder familiar visando a proteção da integridade da criança, de modo a lhe ofertar, por outros meios, a criação e educação eventualmente negada pelos pais, mas que não serve para compensar o efetivo prejuízo psicológico causado ao filho.

Assim, se a parentalidade for exercida de maneira irresponsável, desidiosa, negligente  e/ou nociva aos interesses da prole, configura-se ato ilícito, especialmente se destas ações ou omissões decorrerem traumas, lesões ou prejuízos perceptíveis a partir de qualquer prova em direito admitida, sobretudo a prova técnica.

No caso julgado, o fato danoso e o nexo de causalidade foram corroborados por provas produzidas no processo, inclusive laudos periciais atestando sofrimento de índole psíquica e até mesmo de sequelas físicas e sintomas somáticos, com repercussões na personalidade e, por consequência, na própria história de vida do filho afetivamente abandonado pelo pai.

A decisão do STJ destacou a doutrina relacionada a temas do Direito das Famílias, como por exemplo a lição do jurista Rolf Madaleno, a nos indicar que: 

“embora possa ser dito que não há como o Judiciário obrigar a amar, também deve ser considerado que o Judiciário não pode se omitir de tentar, buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da impunidade que grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em que as visitas configuravam um direito do adulto e não como um evidente e incontestável dever que têm os pais de assegurar aos filhos a convivência familiar”. 

Ainda, destacou a reflexão do professor Conrado Paulino da Rosa, segundo o qual:

“Amor e afeto são direitos natos dos filhos, que não podem ser punidos pelas desinteligências e ressentimentos dos seus pais, porquanto a falta desse contato influencia negativamente na formação e no desenvolvimento do infante, permitindo este vazio a criação de carências incuráveis e de resultados devastadores na autoestima da descendência, que cresceu acreditando-se rejeitada e desamada. 

As marcas existem e são mais profundas do que se pode mensurar: o beijo de boa noite negligenciado, a falta de vigília em uma madrugada febril, o cafuné não realizado, o esforço para decorar a música de homenagem de dia dos pais ou das mães que foi em vão.” 

Como se vê, a recente decisão consolida importante entendimento jurisprudencial, especialmente na preservação e na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, na medida em que, como bem destacado no Acórdão do referido julgado: “amar é faculdade, mas cuidar é dever”.

Postagens mais visitadas deste blog

AUTOALIENAÇÃO PARENTAL

A Alienação Parental é definida em lei como a “ interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. ” A Lei 12.318 de 2010 apresenta um rol exemplificativo de formas de alienação parental, sendo que, na prática, o mais comum é vermos casos em que, por exemplo, a genitora alienadora tenta impedir o surgimento de bons sentimentos do filho para com o pai, gerando rejeição e estranhamento por parte da prole em relação ao progenitor alienado, e dificultando a convivência. Diferentemente da concepção da Alienação Parental clássica, a autoalienação não tem uma previsão legal específica, sendo raramente citada na jurisprudência, o que leva a uma certa insegurança jurídica decorrente do desconhecimento sobre a matéria. Não por outra razã

SE BEBER, NÃO DIRIJA!

Dirigir embriagado ou entregar a direção a quem bebeu pode levar a condenação por homicídio. Temos observado certa banalização  do  crime  de  homicídio  doloso,  decorrente da sistemática aplicação da teoria da “ actio libera in causa ”( ação livre na causa)  que, em tese, deveria limitar-se   aos   casos   de embriaguez premeditada, como  por exemplo no caso de "racha",  quando o desejo de quem se embriaga é retirar de si a presença das leis morais, diminuir a angústia, a dor e a culpa em cometer algum delito ou criar coragem para a prática de  crime, quando não há dúvida em caracterizar-se como doloso o homicídio praticado pelo motorista embriagado. Por outro lado, não se pode considerar que quem comete um crime em estado de embriaguez possua maior culpabilidade do que aquele que possuía dolo da conduta em sobriedade, e o cometeu em seu pleno e saudável estado de consciência. Se quem atua criminosamente sem uso de qualquer substância tem pena definida de acordo

O SUPERENDIVIDAMENTO E A HARMONIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Está em fase final de tramitação na Câmara Federal, em regime de prioridade, um Projeto de Lei do Senado que altera o Código de Defesa do Consumidor, e que tem como propósito principal dispor sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira. Quando for aprovada, a lei irá oferecer alternativas de prevenção e enfrentamento do problema do superendividamento das famílias brasileiras, além de disciplinar a oferta de crédito. Inicialmente, o projeto incorpora na legislação um conceito de superendividamento, qual seja, “a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”. Trata-se de uma questão que vem sendo debatida em vários países do mundo, especialmente na Europa, indicando a necessidade de aperfeiçoamento das legislações que regulam o consumo e o crédito.  No Brasil, o nosso CDC já estabelece como um de seus princípios