Há ainda quem pense que as redes sociais e o mundo virtual estão em territórios livres do império das leis, mas isso é um engano. E essa crença deriva principalmente da confusão que se faz sobre o significado de liberdade de expressão, que pode ser definida como a livre manifestação do pensamento e o compartilhamento de informações e idéias.
O primeiro equívoco, é que assim como a censura é vedada, da mesma forma também o anonimato é proibido, justamente para que cada um responda, nos termos da lei, pelos abusos que eventualmente cometer. E entre estes abusos mais comuns na internet hoje em dia estão os crimes resultantes de preconceito e os crimes contra a honra.
Desde 1989 a Lei 7.716 pune quem pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional por intermédio de publicação de qualquer natureza. Recentemente, aliás, o STF incluiu a homofobia entre os crimes dessa natureza. Assim, fica evidente que a liberdade de expressão não é algo absoluto, pois quando a manifestação do pensamento ofende bens tutelados, nestes casos, a igualdade e a dignidade da pessoa humana, quem a pratica sofrerá as sanções previstas em lei.
Pois também a honra das pessoas é protegida por lei, e quem a agride fica a mercê das penas nela previstas. Quando alguém ofende moralmente a outrem, atribui-lhe a prática de um crime, ou difama, por qualquer meio, inclusive através das redes sociais, sujeita-se à responsabilização, tanto na esfera cível, como na criminal.
Neste contexto, como tentativa de conter o agravamento dos abusos cometidos na internet, o Congresso Nacional, ao aprovar o chamado "Pacote Anticrime" triplicou as penas dos crimes de injúria, calúnia e difamação cometidos ou divulgados em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores.
Sem dúvida é uma questão polêmica, recheada de contradições em cada um dos lados da controvérsia. Muitos que defendem, por exemplo, a descriminalização das drogas e do aborto, surpreendentemente apoiam a criminalização de condutas virtuais impróprias. Por outro lado, significativa parcela da sociedade que defende a plena liberdade de expressão na internet, e portanto se opõem a referida mudança legislativa, não são tão liberais a ponto de aceitar a escolha da mulher em prosseguir ou não com uma gestação, e pregam tolerância zero e repressão contra as as drogas ilícitas..
Não é à toa que este é um dos pontos do "Pacote Anticrime" que pode vir a ser vetado. Seja como for, são os limites objetivos que a lei impõe que balizam o caminho para que tanto a proteção da honra e da dignidade, tanto quanto a preservação da livre manifestação do pensamento sejam asseguradas. E, neste sentido, mesmo a legislação atual já limita a liberdade de expressão, ao vedar o anonimato e prever punição para a injúria, a calúnia e a difamação cometidos por quaisquer meios.
Não há como enfrentar a impunidade de verdade se permitirmos que haja territórios alheios à ordem jurídica vigente, nem mesmo na internet. E, lamentavelmente, num momento histórico em que a paz socia se vê muitas vezes atacada por atos de verdadeira barbárie digital, não podemos desconsiderar que todos os meios legais, na esfera cível e criminal, devem ser utilizados para tentarmos resgatar o elemento central da convivência, que é o respeito. Nem que pra isso seja necessário, pontualmente utilizar o Direito Penal como instrumento de pacificação.