Há muito tempo alguns temas aparentemente afins vêm sendo objeto de grandes debates, quais sejam a violência, a insegurança pública, a impunidade, a corrupção, e a ineficácia do sistema judicial para combater estas mazelas da sociedade.
No entanto, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 observou-se um movimento de grande expansão da criminalização e recrudescimento de respostas penais para muitos dos nossos problemas sociais, afetando inclusive o consumo, o meio ambiente, a política, entre outras áreas, não diretamente vinculadas às questões relacionadas à segurança pública propriamente dita.
No que se refere à sensação de aumento da criminalidade e da insegurança, note-se que em 1990 a população carcerária do Brasil era de 90 mil, e em 2020 poderá chegar a quase 900 mil presos, ou seja, dez vezes mais (aumento de 900%), sendo que o crescimento populacional neste período foi de apenas 70%. Assim, se há impunidade, ela não está evidente para o público alvo "preferencial" do combate ao crime, que são os pobres, de maioria negra, que superlotam as casas prisionais.
Vale dizer que, mesmo em relação aos chamados crimes do colarinho branco, nunca se prendeu tanto quanto nesta última década. Especialmente de 2013 pra cá, quando sancionadas as leis das organizações criminosas e da delação premiada, inúmeros políticos, empresários e servidores públicos corruptos vêm sendo presos, inclusive preventivamente, isto como forma de evitar a continuidade delitiva enquanto respondem na justiça por denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro, entre outros crimes.
Foi neste contexto que foram apresentadas propostas de mudanças na legislação penal, as quais colocadas em pauta no congresso este ano, sob forte pressão da opinião pública. Mas, apesar de aparentemente representar os anseios de uma parcela da sociedade, a proposta revelou técnica legislativa deficiente que em alguns pontos piorava significativamente a atual legislação, na medida em que recheada de insanáveis inconstitucionalidades.
Ao todo, o projeto enviado pelo governo alterava cerca de 50 dispositivos da legislação penal, sendo que ao final dos intensos debates, audiências públicas e ajustes na proposta, apenas 13 pontos foram integralmente mantidos, outros 17 foram totalmente suprimidos, em torno de 20 foram modificados, e outros 6 foram incluídos.
Após meses de debates, e mediante aproveitamento de outros projetos que já estavam em discussão no parlamento, entre os vários pontos polêmicos que foram retirados do projeto, estava o que previa a antecipação do cumprimento da pena de prisão para Réus condenados em segunda instância, mesmo aqueles que responderam em liberdade as respectivas ações penais, sem que tivessem prisão preventiva decretada, e antes de esgotados todos os recursos cabíveis.
Precisamos lembrar que há uma cláusula pétrea na Constituição de 1988, que impede que alguém seja considerado culpado enquanto pendente o julgamento de seus recursos. Portanto, nos casos em que um Réu permaneceu solto durante todo o processo, valendo-se da presunção de inocência, a Lei Maior do nosso país determina que a admissibilidade da presunção da culpa, pressuposto para o início do cumprimento de uma pena, somente ocorre a partir do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Vale dizer que trata-se de um direito de todos, que assegura que sejam analisados em todas as instâncias, não só apenas os fatos imputados e as provas produzidas no processo, mas também se respeitadas as garantias à ampla defesa e ao devido processo legal. Alias, tais garantias são especialmente e/ou extraordinariamente apreciadas com absoluto rigor justamente pelos tribunais superiores, os quais não raramente, reparam injustiças e arbitrariedades cometidas nas instâncias inferiores.
Corrigidos pelo Congresso alguns destes equívocos iniciais no chamado “pacote anticrime”, tivemos efetivamente um aperfeiçoamento da legislação penal e processual penal, que traz alguns importantes avanços. Um deles é justamente o denominado "Juiz das Garantias", que possivelmente evitará algumas arbitrariedades e nulidades processuais, que muitas vezes geram impunidade, além de incidentes processuais e recursos que agravam a morosidade da prestação jurisdicional.
No Podcast "CONVERSANDO DIREITO" a advogada Fabiana Barcellos Gomes iniciou uma série de episódios onde aborda este e outros pontos da nova lei que se propõe a aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, aprovada no Congresso, e que agora depende da sanção presidencial.