Sempre que alguém, investido do poder que lhe foi outorgado pelo conjunto da sociedade, atua de forma abusiva, extrapolando os limites da lei, visando prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal, está cometendo Abuso de Autoridade.
No ano passado o Congresso Nacional atualizou a legislação a respeito deste tema, revogando uma lei de 1965 que basicamente regulamentava o direito de representação, ou seja, o direito das vítimas processarem administrativamente agentes públicos que eventualmente abusassem do seu poder.
Uma das principais justificativas para a edição da nova legislação foi justamente o fato de que a lei anterior estava defasada, carecendo de atualização para melhor proteger efetivamente os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988, tanto no que diz respeito à sua violação, quanto à sua mitigação por meio de atos dolosos praticados com abuso de autoridade.
Com a Lei 13.869 de 2019, que entrou em vigor recentemente, os crimes nela previstos passam a ser puníveis a partir de ações penais públicas incondicionadas, ou seja, independentemente da representação da vítima, que ainda poderá intentá-la em até seis meses, contados da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.
São alcançáveis para fins de imputação dos crimes desta lei quaisquer agentes públicos, servidores ou não, da administração direta, indireta, ou fundacional, bem como todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura, vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade da esfera pública..
A nova legislação trouxe avanços importantes, para preservar direitos e punir o descumprimento de um princípio fundamental que limita o poder do Estado, que é o da Legalidade.
Em síntese, é correto afirmar que as inúmeras condutas descritas na nova lei já eram vedadas no nosso ordenamento jurídico, e agora passaram a constituir-se tipos penais, estabelecendo sanções aos agentes que as praticarem, as quais vão desde a restrição de direitos até detenção, além de, no caso de reincidência, determinar a possibilidade de inabilitação e a perda do cargo, do mandato ou da função pública.
Entre alguns dos pontos que nos despertam especial interesse está aquele que pune quem impede o acesso aos autos de procedimentos investigatórios, bem como a obtenção de cópias, ressalvando-sr as peças cujo sigilo seja imprescindível, sendo que a lei igualmente criminalizou a violação de várias outras prerrogativas dos advogados.
Também passa a ser crime manter presas pessoas de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento, assim como crianças ou adolescentes na companhia de adultos.
Outro ponto que chama a atenção é o dispositivo que torna crime o decreto judicial indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação de uma dívida.
É importante enfatizar novamente que todas as condutas previstas na Nova Lei de Abuso de Autoridade já configuravam-se ilícitas antes, mas, apesar de serem reiteradamente cometidas por muitos agentes públicos, geralmente permaneciam impunes.
Assim, na medida em que pretendamos, de fato, avançar no combate à impunidade, o exemplo deverá cada vez mais vir das autoridades cujo dever é justamente fazer cumprir as leis, e que agora poderão eventualmente ser punidas nos casos em que deliberadamente praticarem atos com desvios de finalidade em prejuízo aos direitos fundamentais.
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